Friday, June 02, 2006

Blogue zapping

«“-Estás a tentar ligar?”- ela, a perguntar.
Não sei responder. Talvez estivesse. Fico sempre sem perceber se liguei ou não. Se se trata de actos falhados com sucesso, se do poder da mente. Se a minha mente deixou de ser privada, para poder ser lida, mesmo nas dobras, claramente e à distância, nos visores dos telemóveis sem bateria.»

[A Natureza do Mal, «O poder da mente», 30.05.2006]

Thursday, June 01, 2006

Lisboetas


«…ao assumir os estrangeiros como lisboetas, é um filme que provoca uma alteração fundamental na nossa noção de imigração. Quando saímos dele, percebemos que isto não se resume ao direito dos imigrantes a estarem cá, mas também, que raio, ao nosso direito de os ter cá. Até porque precisamos: sem migrações, pouco se aprende ou evolui. Temos portugueses em todo o mundo e começamos a ter gente de todo o mundo em Portugal. Uns e outros lembram-nos que não somos isolados nem estamos sozinhos.
Costuma dizer-se que, no meio de uma crise e 32 anos depois do 25 de Abril, temos de pensar em que Portugal queremos para o futuro. Lisboetas é um excelente ponto de partida.»

[Rui Tavares, «Futuro, um ponto de partida», Público, 13.05.2006]

Fui finalmente ver o documentário que tanta gente tem elogiado e que deu o mote a este bonito artigo do Rui Tavares.
Não tenho muito a acrescentar; devo ter sorrido onde todos sorriram, mostrado indignação onde todos mostraram, sentido um nó na barriga onde todos sentiram. A excepção, pelo menos na minha sala de cinema e certamente em muitas outras, foi a explosão de lágrimas com que brindei a cena final do parto. Poder-se-ia explicar este fenómeno pela emoção contida até então, mas isso não justificaria ter saído, com os olhos flagrantemente inchados, a proferir frases do género «ela portou-se tão bem, viste?». Enquanto o amigo que estava comigo se ria da minha figura, eu comecei a ficar preocupada. Isto é perigoso, o meu relógio biológico está a dar sinal de si. Pelo sim, pelo não, fui o caminho até casa a murmurar repetidamente «down, girl».

Tuesday, May 30, 2006

Que bela forma de comemorar os dois anos deste blogue, ficando um mês sem escrever. As actualizações seguem, como sempre, dentro de momentos. (O «dentro de momentos» agora é mesmo a sério.)

Friday, May 26, 2006

Rock in Rio – Eu não vou

- Vais ao Rock in Rio?
- Não.
- Porquê?
- Porque o Rock in Rio é uma fraude. Intitula-se o melhor festival de rock do mundo e tem como cabeças de cartaz a Ivete Sangalo, a Anastasia, a Shakira…
- O Sting. E tu odeias Sting.
- Eu odeio Sting. E ainda por cima nem sequer tenho crianças de 14 aninhos para ir vigiar.

Monday, May 22, 2006

VPV

O artigo de ontem do VPV *, no Público, é de uma grosseria inacreditável. O cronista é convidado formalmente para integrar a Comissão de Honra do Plano Nacional de Leitura e resolve dar a resposta a quem o convidou num artigo de jornal.
O que está em causa não são os motivos da sua rejeição – que ficam bem patentes no dito artigo e no estilo que lhe é habitual. Apesar de discutíveis, são válidos enquanto fundamento da sua decisão. O que é criticável é a sua opção de responder a um convite formal, que lhe é dirigido pessoalmente, via imprensa nacional, aproveitando-se da coluna em que escreve duas vezes por semana. O VPV pode ser cáustico, sarcástico e até, muitíssimas vezes, irritante. Faz parte do seu charme. Eu, aliás, delicio-me com os seus exercícios semanais em que invariavelmente destila veneno para todos os lados. Escusava era de ser mal-educado.

* Vasco Pulido Valente, «Causas nobres», Público, 21.05.2006

Saturday, May 13, 2006

I just can’t get enough


Bernardo Sassetti, ontem, no S. João. Foi tão bom.

Friday, May 05, 2006

Sassetti


«Achas que no Sábado, depois de irmos a Serralves, jantarmos, irmos ao Sassetti na Casa da Música e à festa de homenagem ao Arquitecto Távora, podemos tomar um café?»

Sunday, April 30, 2006

Bénard da Costa

«Alida Valli estive quase para a conhecer, em 1982, em Ponte de Lima, outro nome que lhe convinha. Era suposto contracenar com ela em Aspern Papers de Eduardo de Gregório e, no papel de um médico, fechar-lhe os olhos e confirmar-lhe o óbito. Nem eu a matei, nem ela morreu. A nossa hora ainda não tinha chegado. Para ela, chegou agora, como soube pelos jornais. Nascida a 31 de Maio de 1921, ia fazer 85 anos no fim do mês que amanhã começa. E um dia, leitores, saberão que a própria idade, mesmo quando muito citada, custa menos do que imaginá-la, a quem sempre vimos ou veremos com vinte ou trinta e tais anos.»

[João Bénard da Costa, Público, «La Valli», 30.04.2006]

Tenho que confessar que ler os artigos do Bénard da Costa é, para mim, um momento melindroso. Há algo de particularmente incómodo na evidência da impressionante quantidade de actores, actrizes, realizadores e filmes que são por ele relembrados com tal veneração e me passam completamente ao lado. A consciência da minha vasta ignorância explica a minha incerta relação com cada um dos seus artigos. Umas vezes, deslumbrada; noutras, irrecuperavelmente perdida. Umas vezes, interessada em indagar o insondável (pais e internet são fontes a que vou recorrendo); noutras, dou-me por vencida e «declaro que desisto». Mas quase invariavelmente encontro pequenas pérolas, como esta, que valem muito a pena o desconforto.

[Não me apetece muito pronunciar-me sobre o tema “Bénard da Costa e a Cinemateca”. O reconhecimento de um belo trabalho é mais do que merecido. Tudo o resto me soa demasiado a uma aristocracia cultural que Portugal gosta de cultivar. Além disso, insubstituíveis, para mim, só no meu coração.]

Tuesday, April 25, 2006

(Trinta e) dois anos!

Neste blogue, comemoram-se hoje duas belas datas.

Saturday, April 22, 2006

Um exemplo daquele desprezo benfiquista

[Que tanto irrita os restantes adeptos]

- O Porto deve sagrar-se campeão hoje.
- Deixa. Eles também não vão longe.

[Adenda: Ligeiramente diferente do «tempo de antena» dado aos benfiquistas durante as comemorações no Porto.]

Wednesday, April 19, 2006

«He»

O ciclo pode ter outro princípio, meio e fim: começar com «He-we-can’t-stop-speaking-of», apresentando-se como uma fatalidade; evoluir para «He-we-must-stop-speaking-of», após resolução categórica; desafiar os nossos esforços prolongando-se indefinidamente em «He-we-still-tend-to-remember-too-often»; e demorar uma eternidade até finalmente acabar em «He-we-actually-forget-to-speak-of».

[Raramente, ou nunca, se chega ao «He-who-definitely-ceased-to-matter».]

Saturday, April 15, 2006

Sobre as «tempestades coimbrãs»

Já muito foi dito. Tanto da justiça como da injustiça das palavras de JPP.
Eu confesso que acharia toda esta discussão muito mais interessante se soubesse que o JPP teria tido, um dia, uma paixão assolapada por uma conimbricense deslumbrante. Teria muito mais respeito pelo seu ódio de estimação por Coimbra. Essa sim seria uma boa justificação para se adorar ou detestar uma cidade.

Wednesday, April 05, 2006

Thick or thin?

Estou ansiosamente à espera de uma resposta que decidirá os próximos quatro anos da minha vida. Se o envelope for fino, são más notícias; se o envelope for grosso, estou de viagem.

Saturday, April 01, 2006

Mais diálogos femininos

- Acordei-te?
- São 11h da manhã de Sábado, não tenho filhos e gosto da ronha do fim-de-semana. O que é que achas?
- Olha lá, o marido da F. não é o meu, pois não?
- E o P. é feio por acaso?
- Just checking.

[Quem inventou o provérbio «Quem feio ama, bonito lhe parece» criou um bando de inseguras.]

Friday, March 31, 2006

VPV

Desculpe, disse «idade céptica»? *

* No artigo de hoje no Público.

Wednesday, March 29, 2006

Diálogos femininos

- Conheci ontem o marido da F.
- É um querido, não é?
- Um bocadinho feiinho...
- Os homens não se querem bonitos; querem-se decentes.

Tuesday, March 28, 2006

Blog zapping

«Estivemos meses a brincar ao telefone estragado. Eu escrevia Queres vir ter comigo? e tu lias Senti a tua falta. Se querias saber Como estás?, eu percebia Só quero estar contigo. Quando respondi Estou apaixonada, tu perguntaste Por quem?»

[Jessica, Misunderstanding]

Sunday, March 26, 2006

E como é que eu sei?

Os sintomas estão todos lá.

Saturday, March 25, 2006

It’s official

I’m on the rebound.

Friday, March 24, 2006

Sempre achei os sportinguistas especialmente espirituosos *

- Que jogo é este?
- É para a taça: Setúbal-Guimarães.
- Ah… quem ganhar joga contra o Porto, não é?
- Moralmente, quem ganhar vai à final com o Sporting.

* O maradona é um bom exemplo. E amua, como todos os que eu conheço.

Thursday, March 23, 2006

Sentimento de perda

Perder um amigo é perder um amigo. Perder um namorado é perder um namorado.
(Eu sinto tudo como um desgosto de amor.)

Wednesday, March 22, 2006

Silogismos da injustiça II

Julgar relações actuais à luz de relações passadas.

Silogismos da injustiça

Ter uma ideia pré-concebida da imagem que os outros têm de nós.

Sunday, March 19, 2006

Desabafo II

Hoje, depois de uma noite muito mal dormida, acordei a sentir-me especialmente cabra. Por vezes também acontece acordar a sentir-me boa pessoa. (Vou abster-me de desvendar a frequência com que, nestes últimos dias, a hipótese A se sobrepôs de forma arrasadora à hipótese B.)

Saturday, March 18, 2006

Desabafo

Há mensagens que se sentem como um valente murro no estômago.

Wednesday, February 22, 2006

SMS regressada de férias

Vamos ter que rever os pilares da nossa amizade, meu menino. A Bomba, aquela deusa grega, linka-me e tu não me avisas? Eu aqui desterrada sem ler blogues há bem mais de duas semanas… Ia-me dando uma síncope e tu eras moralmente responsável. E não penses que não ias morrer de saudades minhas. Até porque depois quem é que te mandava mensagens idiotas destas?

Saturday, February 18, 2006

Wednesday, February 15, 2006

L'amant (1)

Un jour, j'étais agéé déjà, dans le hall d'un lieu public, un homme est venu vers moi. Il s'est fait connaitre et il m'a dit: "Je vous connais depuis toujours. Tout le monde dit que vous étiez belle lorsque vous étiez jeune, je suis venu pour vous dire que pour moi je vous trouve plus belle maintenant que lorsque vous étiez jeune; j'aimais moins votre visage de jeune femme que celui que vous avez maintenant, devasté."

[O Luís tinha uma rubrica, há uns tempos, sobre começos de livros. Este é precioso.]

Monday, February 13, 2006

Inspira, expira, inspira, expira…


- Não sei como me convenceste a embarcar nesta linda aventura. Não é suposto termos feito um curso de mergulho antes de ir para o mar? Eu mal sei como isto funciona.

[Inspira, expira, inspira, expira]

- O mergulhador já te explicou. Vai treinando enquanto não chega a tua vez.

[Inspira, expira, inspira, expira]

- E se alguma coisa corre mal? Se eu me engasgar, se parar de respirar? Quanto tempo é que demoram a puxar o meu corpo inanimado para cima?

[Inspira, expira, inspira, expira]

- Deixa de ser melodramática. Além disso, o mergulhador engraçou contigo e diz que te leva de mão dada a ver o fundo do mar.

[Inspira, expira, inspira, expira]

- O que eu mais quero, aliás, é um gajo armado em engatatão no fundo mar quando eu estou preocupada em não deixar entrar água.

[Inspira, expira, inspira, expira]

- Ele também diz que tem prática de respiração boca-a-boca…

[Inspira, expira, inspira, expira]

- Estás cheia de piada. Cala-te lá um bocadinho e deixa-me concentrar.

[Inspira, expira, inspira, expira.]

Entretanto, já dentro de água e à espera de submergir, o mergulhador aproxima-se dela sorrateiramente.

« - On y va?
- Errr… oui…
- T’es nerveuse?
- C’est ma première fois.
- T’inquiètes pas. Je le ferais doucement.
»

Saturday, February 11, 2006

Já agora

Ne me quitte pas
Il faut oublier
Tout peut s'oublier
Qui s'enfuit déjà
Oublier le temps
Des malentendus
Et le temps perdu
A savoir comment
Oublier ces heures
Qui tuaient parfois
A coups de pourquoi
Le cœur du bonheur
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas

Moi je t'offrirai
Des perles de pluie
Venues de pays
Où il ne pleut pas
Je creuserai la terre
Jusqu'après ma mort
Pour couvrir ton corps
D'or et de lumière
Je ferai un domaine
Où l'amour sera roi
Où l'amour sera loi
Où tu seras reine
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas

Ne me quitte pas
Je t'inventerai
Des mots insensés
Que tu comprendras
Je te parlerai
De ces amants-là
Qui ont vu deux fois
Leurs cœurs s'embraser
Je te raconterai
L'histoire de ce roi
Mort de n'avoir pas
Pu te rencontrer
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas

On a vu souvent
Rejaillir le feu
D'un ancien volcan
Qu'on croyait trop vieux
Il est paraît-il
Des terres brûlées
Donnant plus de blé
Qu'un meilleur avril
Et quand vient le soir
Pour qu'un ciel flamboie
Le rouge et le noir
Ne s'épousent-ils pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas

Ne me quitte pas
Je ne vais plus pleurer
Je ne vais plus parler
Je me cacherai là
A te regarder
Danser et sourire
Et à t'écouter
Chanter et puis rire
Laisse-moi devenir
L'ombre de ton ombre
L'ombre de ta main
L'ombre de ton chien
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas.

(Jacques Brel)

Friday, February 10, 2006

Ne me quitte pas


É o nome desta árvore.

Olhando mais de perto, parece-me bastante apropriado.

Que bem que se está de molho



E em família

Tuesday, February 07, 2006

L’amant de Marguerite Duras

Ciente de que o meu francês anda uma lástima, agarrei o primeiro livro nessa língua que me apareceu lá em casa, para me acompanhar nestas (merecidas) férias. E o livro que me veio parar às mãos dificilmente poderia ser mais do meu agrado. Não sei, aliás, como me tinha escapado até agora.

Sunday, February 05, 2006

De papo para o ar (e à beira-mar)


[Eu sei, já começo a meter nojo.]

Friday, February 03, 2006

De papo para o ar

Durante os próximos dias.
Uma oportunidade de viagem para o Senegal aproveitada em cima da hora. Malas feitas a correr; música e livros escolhidos à pressa; sem tempo para despedidas.

Thursday, January 26, 2006

MEC

Não é propriamente difícil achar o Miguel Esteves Cardoso brilhante, independentemente das divergências quanto à sua posição na hierarquia dos melhores escritores portugueses. Mas mais do que achá-lo genial, eu confesso que tenho desde há muito um carinho especial por ele. Foi por causa de um livro do Miguel Esteves Cardoso que descobri, quando era mais miúda, que sexo oral afinal não era “talk dirty”. A surpreendente descoberta vale o que vale mas, na altura, deu origem a uma das melhores conversas com as minhas amigas de que tenho memória e o livro passou de mão em mão.
Há influências que merecem reconhecimento. Acho que é a isto que a Carla se refere.

Monday, January 23, 2006

Rescaldo das eleições

A candidatura de Mário Soares era, de longe, a melhor opção de entre as que se apresentaram, mesmo que eu tenha tido alguma dificuldade em aceitá-la inicialmente e nunca tenha chegado a conquistar totalmente o meu alento de cidadã. Senti, por isso, a estrondosa derrota como particularmente injusta, em especial tendo em conta os dois grandes vencedores da noite.
O voto em Jerónimo de Sousa não me surpreendeu: o líder é carismático e consegue ocultar de uma forma extraordinária o lado mais ortodoxo que representa. Naquela série de entrevistas mais intimistas da SIC, o candidato do PCP mostrou bem de onde surge e como se constrói o grande apelativo que, na actual conjuntura, lhe tem dado os frutos das três últimas eleições. O resultado do Bloco de Esquerda, por outro lado, não fez jus ao desempenho do candidato mais bem preparado desta corrida eleitoral. Não me parece, porém, que deva ser encarado com grandes dramatismos: o combate era bastante difícil e os arautos do “fim da novidade do BE” reflectem mais um “wishful thinking” do que uma análise fundamentada do panorama político nacional.
De facto, o mais interessante destas eleições foi, como já todos os analistas têm dito, o voto “contra o sistema” que une Cavaco Silva e Manuel Alegre. Que o centro-direita, assim como a direita ideológica, à falta de candidato próprio, vote Cavaco não me espanta. [Embora, por instantes, ainda tivesse acreditado que a abstenção dos indecisos de direita (induzidos pelas sondagens e convencidos da fácil vitória do Cavaco sem a necessidade do seu voto) fosse suficiente para obrigar a uma segunda volta – o que, por pouco, não se verificou.] Da mesma forma que o voto em Alegre por parte de quem pertence à área socialista mas discordava vivamente da orientação da direcção do PS não me parece totalmente deslocado – apesar da prestação deste candidato ter sido a grande decepção das presidenciais.
Todavia, enquanto voto “contra o sistema”, o voto em Cavaco Silva, supostamente apolítico e supra-partidário, tal como o voto em Manuel Alegre, supostamente movimento de cidadania, é uma fraude. Um por mais que se queira distanciar não deixa de ser ex-Primeiro Ministro e líder partidário e, por mais que se esforçasse por minimizar, era apoiado por duas máquinas partidárias. O outro só passa a achar que «há mais espaço para além dos partidos» quando aquele onde sempre esteve e do qual vive até hoje o preteriu. A sua hesitação em avançar após a candidatura de Soares não foi por não querer dividir o partido, foi porque receava não o conseguir fazer. Assim que as sondagens lhe garantiram que tinha essa margem de manobra, as dúvidas dissiparam-se.
O falacioso discurso que ambos utilizaram encontrou eco junto de uma parte significativa do eleitorado, o que exige uma profunda reflexão. Assim de repente ocorre-me que, dados os resultados eleitorais, o oportunismo político compensa. Mas pode ser da neura.

Saturday, January 14, 2006

Um post mais ou menos político *

A família do A. dá-se bastante bem. Gostam muito uns dos outros, não têm feitios demasiado incompatíveis e, tirando uma ou outra zanga familiar mais normal, em regra é uma alegria ir lá jantar.
Excepto em altura de eleições.
Mãe, Pai e filho são PCP ferrenhos. Lá em casa celebra-se com ardor o 1º de Maio e o 25 de Abril de cravo na lapela. Todos os anos, sem esquecimentos. No entanto, a avó, de há um bom tempo para cá, destoa de forma flagrante. Mais concretamente, desde 1985. Ainda mais concretamente, desde que pôs os olhos em cima do Cavaco Silva.
Foi uma espécie de amor à primeira vista, mas revisitado. Diz ela, muito convictamente, que ele se parece com o seu falecido marido. E o raciocínio prossegue mais ou menos assim: parecido com o marido – marido boa pessoa – Cavaco necessariamente boa pessoa – boa pessoa dá bom primeiro-ministro – em eleições, votar Cavaco – votar Cavaco é votar PSD – e, a partir daí, nunca mais votar noutro partido.
A restante família, indignada, começou por apelar à razão: não se vota num partido porque o líder ou ex-líder se parece com alguém de quem gostamos. Ao que se seguiram inúmeras e extenuantes tentativas de endoutrinação. Escusado será dizer que não funcionou.
O desespero aumentava, esqueceu-se a racionalidade e passou-se a apelar à estética: não é nada parecido com o pai, sogro e avô – isso, aliás, até é um insulto. Mas a estética não se discute e ela tinha mais autoridade do que qualquer outro membro da família para dizer se o Cavaco era ou não parecido com o marido de tantos anos. No meio das discussões levantava-se e ia buscar fotografias para provar a sua convicção.
Inicialmente a discussão ressurgia sempre que havia campanhas eleitorais. Os mesmos argumentos, a mesma resposta, a mesma intenção de voto. Progressivamente a família foi-se dando por vencida e parou de chatear incessantemente a senhora. Agora mandava bocas para o ar e troçava da ignorância. A avó, impávida e serena, fazia-se de despercebida e lá punha a cruz no mesmo sítio de sempre.
O potencial fracturante destas eleições presidenciais foi entendido por todos. Os nervos estão à flor da pele mas, desta vez, lá em casa, não há discussões nem comentários maldosos. Não se toca no assunto e assobia-se para o ar durante o telejornal. Volta-se do comício como se se voltasse do café. Descarrega-se tudo lá fora e entra-se para jantar com um sorriso amarelo. No dia 23, reconciliam-se e voltam a ser uma família normal.

* Dedicado ao Super Mário, em jeito de agradecimento pelo link. (Estamos no mesmo barco. Embora eu esteja mais como peso morto e vocês a remar, confesso.)