Thursday, January 26, 2006

MEC

Não é propriamente difícil achar o Miguel Esteves Cardoso brilhante, independentemente das divergências quanto à sua posição na hierarquia dos melhores escritores portugueses. Mas mais do que achá-lo genial, eu confesso que tenho desde há muito um carinho especial por ele. Foi por causa de um livro do Miguel Esteves Cardoso que descobri, quando era mais miúda, que sexo oral afinal não era “talk dirty”. A surpreendente descoberta vale o que vale mas, na altura, deu origem a uma das melhores conversas com as minhas amigas de que tenho memória e o livro passou de mão em mão.
Há influências que merecem reconhecimento. Acho que é a isto que a Carla se refere.

Monday, January 23, 2006

Rescaldo das eleições

A candidatura de Mário Soares era, de longe, a melhor opção de entre as que se apresentaram, mesmo que eu tenha tido alguma dificuldade em aceitá-la inicialmente e nunca tenha chegado a conquistar totalmente o meu alento de cidadã. Senti, por isso, a estrondosa derrota como particularmente injusta, em especial tendo em conta os dois grandes vencedores da noite.
O voto em Jerónimo de Sousa não me surpreendeu: o líder é carismático e consegue ocultar de uma forma extraordinária o lado mais ortodoxo que representa. Naquela série de entrevistas mais intimistas da SIC, o candidato do PCP mostrou bem de onde surge e como se constrói o grande apelativo que, na actual conjuntura, lhe tem dado os frutos das três últimas eleições. O resultado do Bloco de Esquerda, por outro lado, não fez jus ao desempenho do candidato mais bem preparado desta corrida eleitoral. Não me parece, porém, que deva ser encarado com grandes dramatismos: o combate era bastante difícil e os arautos do “fim da novidade do BE” reflectem mais um “wishful thinking” do que uma análise fundamentada do panorama político nacional.
De facto, o mais interessante destas eleições foi, como já todos os analistas têm dito, o voto “contra o sistema” que une Cavaco Silva e Manuel Alegre. Que o centro-direita, assim como a direita ideológica, à falta de candidato próprio, vote Cavaco não me espanta. [Embora, por instantes, ainda tivesse acreditado que a abstenção dos indecisos de direita (induzidos pelas sondagens e convencidos da fácil vitória do Cavaco sem a necessidade do seu voto) fosse suficiente para obrigar a uma segunda volta – o que, por pouco, não se verificou.] Da mesma forma que o voto em Alegre por parte de quem pertence à área socialista mas discordava vivamente da orientação da direcção do PS não me parece totalmente deslocado – apesar da prestação deste candidato ter sido a grande decepção das presidenciais.
Todavia, enquanto voto “contra o sistema”, o voto em Cavaco Silva, supostamente apolítico e supra-partidário, tal como o voto em Manuel Alegre, supostamente movimento de cidadania, é uma fraude. Um por mais que se queira distanciar não deixa de ser ex-Primeiro Ministro e líder partidário e, por mais que se esforçasse por minimizar, era apoiado por duas máquinas partidárias. O outro só passa a achar que «há mais espaço para além dos partidos» quando aquele onde sempre esteve e do qual vive até hoje o preteriu. A sua hesitação em avançar após a candidatura de Soares não foi por não querer dividir o partido, foi porque receava não o conseguir fazer. Assim que as sondagens lhe garantiram que tinha essa margem de manobra, as dúvidas dissiparam-se.
O falacioso discurso que ambos utilizaram encontrou eco junto de uma parte significativa do eleitorado, o que exige uma profunda reflexão. Assim de repente ocorre-me que, dados os resultados eleitorais, o oportunismo político compensa. Mas pode ser da neura.

Saturday, January 14, 2006

Um post mais ou menos político *

A família do A. dá-se bastante bem. Gostam muito uns dos outros, não têm feitios demasiado incompatíveis e, tirando uma ou outra zanga familiar mais normal, em regra é uma alegria ir lá jantar.
Excepto em altura de eleições.
Mãe, Pai e filho são PCP ferrenhos. Lá em casa celebra-se com ardor o 1º de Maio e o 25 de Abril de cravo na lapela. Todos os anos, sem esquecimentos. No entanto, a avó, de há um bom tempo para cá, destoa de forma flagrante. Mais concretamente, desde 1985. Ainda mais concretamente, desde que pôs os olhos em cima do Cavaco Silva.
Foi uma espécie de amor à primeira vista, mas revisitado. Diz ela, muito convictamente, que ele se parece com o seu falecido marido. E o raciocínio prossegue mais ou menos assim: parecido com o marido – marido boa pessoa – Cavaco necessariamente boa pessoa – boa pessoa dá bom primeiro-ministro – em eleições, votar Cavaco – votar Cavaco é votar PSD – e, a partir daí, nunca mais votar noutro partido.
A restante família, indignada, começou por apelar à razão: não se vota num partido porque o líder ou ex-líder se parece com alguém de quem gostamos. Ao que se seguiram inúmeras e extenuantes tentativas de endoutrinação. Escusado será dizer que não funcionou.
O desespero aumentava, esqueceu-se a racionalidade e passou-se a apelar à estética: não é nada parecido com o pai, sogro e avô – isso, aliás, até é um insulto. Mas a estética não se discute e ela tinha mais autoridade do que qualquer outro membro da família para dizer se o Cavaco era ou não parecido com o marido de tantos anos. No meio das discussões levantava-se e ia buscar fotografias para provar a sua convicção.
Inicialmente a discussão ressurgia sempre que havia campanhas eleitorais. Os mesmos argumentos, a mesma resposta, a mesma intenção de voto. Progressivamente a família foi-se dando por vencida e parou de chatear incessantemente a senhora. Agora mandava bocas para o ar e troçava da ignorância. A avó, impávida e serena, fazia-se de despercebida e lá punha a cruz no mesmo sítio de sempre.
O potencial fracturante destas eleições presidenciais foi entendido por todos. Os nervos estão à flor da pele mas, desta vez, lá em casa, não há discussões nem comentários maldosos. Não se toca no assunto e assobia-se para o ar durante o telejornal. Volta-se do comício como se se voltasse do café. Descarrega-se tudo lá fora e entra-se para jantar com um sorriso amarelo. No dia 23, reconciliam-se e voltam a ser uma família normal.

* Dedicado ao Super Mário, em jeito de agradecimento pelo link. (Estamos no mesmo barco. Embora eu esteja mais como peso morto e vocês a remar, confesso.)